terça-feira, 28 de julho de 2015

Talento ou Descoberta? - Reportagem

Segue abaixo reportagem que publiquei no site Gosto de Ler, sobre a percepção musical como sendo um dom adquirido e/ou descoberta feita ao longo da vida.

Sempre presente na história de diversas civilizações, antigas e modernas, a música pode ser definida como parte integrante das manifestações culturais e religiosas de um grupo de pessoas, uma atividade profissional como qualquer outra, um hobby, uma ciência e até mesmo uma arte. É difícil alguém não ter preferência por um ou outro estilo musical, gostar de uma determinada canção, algum instrumento ou som, ter ou desenvolver algum talento para compor, enfim, ela está ligada à alma, aos sentimentos das pessoas.

Para uns, o talento para a música é algo que nasce com o indivíduo; para outros, uma habilidade que, se estimulada, pode ser descoberta e aprimorada. A teoria das inteligências múltiplas, surgida nos anos 80 com Howard Gardner, ensina que há basicamente sete tipos de inteligência no mundo: físico-cinestésica, lingüística, espacial, intrapessoal, interpessoal, lógico-matemática e musical. Esta teoria, posteriormente, foi revisada e novos acréscimos lhes foram feitos.

No entanto, Gardner defendia a idéia de que as inteligências são potenciais que podem ser ativados, dependendo dos valores de cada cultura, das oportunidades e decisões tomadas pelas pessoas, algo do qual o indivíduo dispõe para processar informações e que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura. Dentro de sua teoria, Gardner explica que o tipo musical e o lógico-matemático são os mais aptos para desenvolver habilidades musicais, apesar de não serem os únicos. Um contato mais aproximado “Qualquer pessoa pode desenvolver qualquer habilidade”, explica o psicólogo e orientador profissional Eliseu Neto, do Rio de Janeiro.

Algumas pessoas possuem maior predisposição para algumas áreas, dentre as quais a música; tudo depende do estímulo que o indivíduo recebe. Para ele, a melhor maneira de estabelecer contato com a música é através da escuta, da conversa, de jogos lúdicos, enfim, de alguma interação com a mesma. Obrigar alguém a gostar de algum instrumento ou estilo musical pode implicar no caminho inverso. Um exemplo é que antigamente as mulheres eram obrigadas pela família a estudar piano, e hoje em dia, muitas não suportam sequer chegar perto desse instrumento.Nesse caminho, a pessoa envolvida pode desenvolver habilidades diversas. Ao contrário do que parece, nem sempre o típico músico profissional é aquele que possui maior sensibilidade, audição aguçada, raciocínio lógico etc. “ Essa resposta é muito subjetiva,  pois depende do tipo de música com que se trabalha, se MPB, Clássica etc”, explica Eliseu. Para alguns estilos, há um preciosismo e delicadeza; para outros um lado mais agressivo e controvertido. Cada sujeito é único e pode desenvolver algo novo e criativo.A musicoterapeuta e presidente da Associação de Musicoterapia do Paraná Claudimara Zanchetta, de Curitiba também faz a mesma avaliação. “Alguns já nascem tocando, fazem poucas aulas e já tocam eximiamente; outros têm a sensibilidade da música, mas dificuldade em estudá-la, e mesmo assim o fazem.

Outros são treinados para tocar, mas quando não tem a sensibilidade não demonstram a magia da música”. Acostumada a trabalhar com crianças e jovens, Claudimara explica que já teve casos de pacientes que, após um contato mais aproximado com a música, passaram a se interessar por aulas de violão e teclado. Ela mesma é um exemplo disso, pois desde garota, sempre se interessou por música e quando optou por uma profissão, fez a sua escolha baseada no que mais gostava de fazer. Além de musicoterapeuta, ela também toca violão, instrumentos de percussão, canta e compõe.
História semelhante à de Claudimara é a de Ricardo Aguiar, de Teixeira de Freitas (BA). Bacharel em Música Sacra, ele conta que desde os 15 anos se dedica à Música. Atualmente dá aulas de violino e outros instrumentos na Primeira Igreja Batista da cidade. “Meu pai colocou meu irmão para estudar Música, pois entendia muito de Matemática e sabia escrever bem, mas ele não desenvolveu esse lado, enquanto eu o fiz assim que tive meu primeiro contato com um instrumento”, explica Ricardo. Seu trabalho se dá, não de acordo com o incentivo que os alunos (na faixa dos 12 aos 18 anos) recebem, mas sim com o grau de aptidão dos mesmos. Isso, no entanto, não quer dizer que outros não possam aprender, mas que alguns apresentam uma desenvoltura melhor com determinados instrumentos. Inclinações naturaisPara ele, é importante que os pais observem os filhos, para saber quais as inclinações dos mesmos. “Todos nós temos algum talento, não apenas para a música”, conta ele. Um dos diferenciais do contato com a música ainda na infância é que, neste caso, não é necessário que a criança tenha aptidão com a mesma, pois toda criança gosta de som e movimento.

Claudimara, por exemplo, já trabalhou  como educadora musical em pré-escola e percebeu a diferença entre crianças que passaram pela musicalização e que não passaram por esta estimulação. “As que passaram pelo processo são muito mais espertas, atentas, detalhistas. As crianças que não passaram são diferentes em suas expressões”, explica a musicoterapeuta.Isso acontece porque a música, por mexer extremamente com sentimentos, acaba, muitas vezes, sendo até uma fuga, uma forma de expressar os sentimentos. Uma canção ou composição acaba sendo uma forma de exalar aquele sentimento que está dentro de si, o que faz com que a gente não fique guardando tantas coisas que nos fazem mal, como sentimento de mágoa, frustração ou perda. “A gente canaliza aquele sentimento e acaba melhorando, se sentindo mais leve”, explica Ricardo. A música nas escolasMas, ainda de acordo com Eliseu Neto, a música é apenas uma das muitas alternativas para se estimular as pessoas, especialmente crianças. Ele defende, por exemplo, a educação para as múltiplas habilidades. “Infelizmente a maioria das escolas só estimula o lado lógico-matemático e lingüístico”, constata o psicólogo.

Da mesma maneira pensa a designer de interiores Márcia Carvalho, do Rio de Janeiro. Mãe de uma garota de 10 anos que toca flauta doce, ela acredita que a música deveria, sim, ser incluída na grade curricular de todas as escolas brasileiras. “Acredito que muitos talentos podem ser descobertos e esta é uma forma de valorizar o profissional da área, cuja imagem está meio distorcida em nossos dias, devido à baixa qualidade musical da atualidade”, relata. O envolvimento de sua filha com a música é um caso de inclinação natural, mesmo. “Na minha família, ninguém toca qualquer instrumento, embora todos gostemos de música”, explica Márcia. A sua filha teve aulas de flauta doce quando tinha cinco anos, e aos sete, começou a demonstrar mais interesse pelo instrumento. Hoje, ela tem aulas regulares de flauta transversa.

Como mãe, Márcia observa que muitos pais colocam os filhos para estudar música por diversas razões, desde o fato dos filhos desenvolverem habilidades que os pais não tiveram oportunidade como apenas para ocupar o tempo, mesmo, ou então, porque as próprias crianças demonstram interesse. Este é o caso de Priscila Fernandes, recreadora de uma creche em Acari, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, que toca clarinete desde os 12 anos de idade. “No meu caso, o ambiente onde cresci foi bastante favorável”, explica Priscila. Ela começou lendo partituras e acompanhando o irmão que já tocava o instrumento.
Quando fez o teste para tocar na orquestra da igreja que freqüenta, foi aprovada. Ainda hoje, ela toca apenas clarinete, mas tem vontade de aprender sax soprano e flauta transversa.Em suas atividades, ela lida com crianças na faixa etária de três anos. “Como trabalho com música, é fácil observar quais crianças têm mais habilidade com a mesma ou não”, conta. Um de seus alunos costuma pegar um pauzinho e simular o toque de bateria constantemente.

A razão para esse comportamento se justifica: ele é filho de um baterista profissional, o que demonstra que o ambiente influencia sim, na pré-disposição da criança para algumas atividades. Assim como Márcia, Priscila também concorda com a introdução da música na grade curricular das escolas. Ela mesma é um exemplo disso. “Na escola onde estudei, tinha aulas de música, o que ajuda a despertar nos alunos um interesse maior”, finaliza a recreadora.

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